Chovia a potes e estava frio. A
nortada açoriana é assim mesmo: abertas, chuva muito forte e muito frio. Creio
que estávamos em Outubro. Tinha 12 anos e ia vestir pela primeira vez a
camisola do Lusitânia.
Não era fácil jogar pelo
Lusitânia, eramos mais de 30 miúdos que nunca falhavam os treinos. As
oportunidades eram escassas para jogadores de 1º ano do escalão de iniciados e,
não sendo eu especialmente talentoso e também sendo um dos mais pequenos da
equipa, as oportunidades iam ser poucas. Muitos dos meus colegas nunca o foram
e continuaram a treinar como se nada fosse. Alguns destes que nunca desistiram iriam
ser jogadores da equipa principal num futuro que na altura parecia ainda muito
longe.
Antes de ter recebido a notícia
que tinha sido convocado o treinador deu-me a entender, antes do último treino
da semana, que eu poderia ter uma ‘surpresa’. Assim foi, meu nome pela 1ª vez
nos convocados, ia jogar pelo Lusitânia. Hoje em dia é difícil fazer entender o
que era o Lusitânia mas, na altura, andava no patamar abaixo da 1ª divisão
nacional, a velha 2ª divisão. Só com jogadores açorianos, tudo amadores. Era o
grande clube açoriano, só rivalizado pelo Santa Clara. Jogadores de todas a
ilhas (inclusive de São Miguel) lá jogavam, com óbvia maioria terceirense.
Dia de jogo. As memórias ganham
força quando chego ao campo de jogos. Dia cinzento, poças espalhadas pelo
pelado do Campo de Jogos de Angra, equipa adversária em campo (Terra Chã). Fui
para o banco mas pouco tempo depois um dos nossos jogadores é tocado e lá vou
eu. Enfim, estreia. Médio Direito – Ala. Um dos primeiros toques na bola, num
ressalto ganho a bola, meto sem querer a bola entre as pernas do defesa e fico
à frente do guarda-redes, ainda a alguma distância. Lembro-me de ficar na
dúvida entre avançar com a bola ou rematar, resolvo avançar e dou um mau toque
na bola, lá foi a oportunidade. Pouco tempo depois, canto a nosso favor, bola
passa por todos e no segundo poste estou eu com a bola à mercê mas não cheguei
a tempo. Lá se foi outra oportunidade. Não tive mais nenhuma. Do jogo pouco
mais me lembro: uma troca para Ponta de Lança e fim do jogo. Em termos de
estreia não foi mau, longe de ser épico também. Acrecentarei a este post a única fotografia que documenta esse dia, tirada pelo o único espectador do jogo, o meu pai.
Uma outra memória também desse
jogo ficou e marcou, mas ponhamos em contexto: a Terceira estava ainda em
processo de reconstrução após o grande sismo de 1980. Foram construídos alguns
bairros de habitação temporária para alguns desalojados que acabou por se
tornar permanente com o passar dos anos. Geralmente eram ocupados por pessoas
de menos posses, pessoas que antes trabalhavam no campo. Um desses bairros
localiza-se na Terra Chã, alguns dos jogadores da equipa contra quem jogámos
eram desse meio. Lembro-me perfeitamente dum jogador da Terra Chã muito
pequeno, muito franzino, a tiritar de frio, agarrado a si próprio, a dar uns
passos para se aquecer. O rapaz não tentava jogar, apenas a sobreviver ao frio
que para ele era intolerável. A fome era algo a que eu nunca tinha sido exposto,
muito menos a miúdos como eu. Aí estava, à minha frente. Por muito que
recordemos o passado e desdenhamos o progresso, é inegável que algumas coisa
mudaram para melhor. Alguns problemas permanecem, mas há melhores condições de
vida e outro acompanhamento destes casos.
Hoje em dia continuo a jogar a
bola oficialmente, partilho as mesmas cores que o Lusitânia mas não o mesmo
emblema. O campo é o mesmo, hoje em dia coberto com relva sintética de nova
geração. Quase 30 anos depois. Muito mudou. O gozo de jogar à bola não.
Por mais voltas que a vida dê, uma estreia num clube que admiramos é algo que permanece para sempre na nossa memória.
ResponderEliminarFelizmente para o teu clube atual, fazes parte dos que nunca desistiram.
Tu sabes como é.
EliminarMas poucos desistiram, outros tempos.